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29.10.06

ARTIGO

"O Brasil chegou ao século 21 esbarrando em dois muros: o da desigualdade, que separa os pobres dos ricos; e o do atraso, que separa o Brasil dos países desenvolvidos."
23.10.2006 Publicado na Folha de S. Paulo

O Brasil chegou ao século 21 esbarrando em dois muros: o da desigualdade, que separa os pobres dos ricos, como se fossem habitantes de países diferentes; e o do atraso, que separa o Brasil dos países desenvolvidos. Sem derrubar esses dois muros, continuaremos a ser uma meia-nação, além de ser uma nação atrasada. Para rompê-los, não bastam os pequenos ajustes que caracterizam nossa história. O Brasil tem optado sempre pelo pequeno avanço. No lugar da abolição, preferiu leis para aliviar a escravidão, até que ela se esgotou. Mas nada fez para incorporar os ex-escravos. Em vez de uma industrialização consistente, preferiu o protecionismo estatal, com técnicas e capital importados. O resultado é que não temos uma demanda de acordo com o nosso tamanho, tampouco base financeira, científica e tecnológica que promova nossa inserção no mundo moderno com a inclusão de todos os brasileiros. O Brasil precisa de uma mudança de rumo, de uma revolução. O crescimento econômico se mostrou insuficiente para derrubar os muros; uma revolução social nos moldes antigos está fora de questão. O único caminho para reorientar o futuro e criar uma nação sem desigualdade e sem atraso está em uma revolução que comece pela educação da primeira infância e chegue à consolidação de um forte aparato científico e tecnológico. Uma revolução com o lápis substituindo o fuzil; escolas no lugar de trincheiras; professores, em vez de guerrilheiros; que distribua conhecimento, em vez de concentrar capital nas mãos do Estado; que tenha a infância, e não o proletariado, como os portadores do futuro. Uma Revolução Doce. É possível iniciar essa revolução no Brasil de hoje. Para tanto, são necessárias dez ações: 1) Concentrar o trabalho do MEC na educação de base -pré-escola, ensino fundamental e médio-, transferindo o ensino superior para o Ministério da Ciência e Tecnologia; e criar uma agência federal de proteção da criança. Assim, a União se comprometeria com o processo da educação básica, desde a primeira infância. 2) Garantir vaga na escola mais próxima de sua casa, para cada criança, no dia em que fizer quatro anos; e determinar a obrigatoriedade do ensino médio, ampliado para quatro anos e garantindo formação profissional. 3) Definir três pisos nacionais para a educação: um de salários, vinculado à formação e dedicação do professor, com a aprovação de um plano de cargos e salários dos professores, inclusive municipais e estaduais; um de padrão mínimo de equipamentos e instalações; e um de conteúdo mínimo de aprendizado de cada criança, em cada disciplina, em cada série. 4) Aprovar uma Lei de Diretrizes Educacionais, nos moldes da LDO, com metas a serem cumpridas em cada cidade e Estado, tais como universalização do ensino até o final do ensino médio, implantação do horário integral em todas as escolas e erradicação do analfabetismo. 5) Aprovar uma Lei de Responsabilidade Educacional, nos moldes da LRF, para punir cada dirigente executivo que descumpra as metas estabelecidas com a inelegibilidade futura. 6) Retomar a Secretaria para a Erradicação do Analfabetismo do MEC e seus programas, definindo o prazo de quatro anos para erradicar o analfabetismo de adultos. 7) Reformar o Bolsa Família, devolvendo-lhe o conceito de Bolsa-Escola, com vinculação educacional e administrativa ao MEC. 8) Refundar o sistema de ensino superior, ciência e tecnologia, definindo metas de curto e médio prazo, combinando a criação de conhecimento com as necessidades do país. 9) Criar, sob a liderança do presidente, um ambiente que desperte a prioridade à educação em todas as camadas da população, como fez JK para a industrialização. 10) Assegurar os recursos necessários no Orçamento para complementar os investimentos municipais e estaduais, para salário e formação de professores, reforma e equipamento de escolas, reservando, de início R$ 7 bilhões adicionais por ano, até chegar a R$ 20 bilhões, dentro de quatro ou cinco anos. Seria um percentual pequeno do Orçamento e traria a imediata redução de gastos, com a diminuição da repetência e a elevação da produtividade econômica, com o conseqüente aumento da arrecadação. Esses itens têm uma coisa em comum: a necessidade de uma revolução na mentalidade dos dirigentes nacionais, para que a educação passe a ser vista como o grande vetor do progresso. Essa mudança de mentalidade é o único empecilho real para essa doce revolução, da qual o Brasil tanto precisa e cujo início não pode mais adiar. Essa é a mensagem que tentei espalhar pelo país ao longo da campanha -e não pretendo parar por aqui. Como tive mais de 2,5 milhões de votos, só posso crer que estou no caminho certo.

Cristovam Buarque, doutor em economia, é senador pelo PDT-DF. Neste ano, concorreu à Presidência da República pelo PDT e ficou em quarto lugar.
Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo de domingo, 22 de outurbo.

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