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23.10.06

Centenário do vôo do 14 Bis


SANTOS-DUMONT - UM BRASILEIRO

Como a maior parte do povo do Brasil, Alberto Santos-Dumont (1873-1932) era descendente de imigrantes. Um brasileiro típico.
Era neto de franceses, por parte de pai, e bisneto de portugueses, por parte de mãe.
Sempre evidenciou o seu orgulho de ser brasileiro. Considerava serem mérito do Brasil as suas conquistas ímpares para a humanidade.

A primazia do Vôo autônomo

A principal conquista de Santos-Dumont foi ser o primeiro homem no mundo a voar em aparelho mais pesado que o ar utilizando unicamente os recursos do próprio aparelho, sem auxílios externos.
Foi o primeiro a construir e pilotar avião que, usando apenas os meios de bordo, cumpriu todos os requisitos básicos de vôo: táxi, decolagem,vôo nivelado e pouso.
Além disso, foi o primeiro que isso demonstrou em público. Seu vôo pioneiro contou com o testemunho de multidão, a filmagem por companhia cinematográfica e o reconhecimento e a homologação do órgão oficial de aviação da época, L’Aéro-Club de France.
O vôo histórico aconteceu há cem anos, em 23 de outubro de 1906, com o 14-bis, em Bagatelle, Paris, França.

14-bis

DIMENSÕES E DETALHES

Por que esse nome estranho? Essa denominação adveio do fato de Santos-Dumont, na 1ª fase do desenvolvimento, ensaiar o novo aparelho acoplando-o ao seu balão-dirigível nº 14.
Como era o 14-bis? Seguem alguns dados técnicos sobre o histórico aparelho .

Envergadura:12 m; comprimento: 10 m; altura: 4,80 m; superfície das asas: 80 m²; corda (largura) das asas: 2,5 m; separação entre os dois planos das asas: 1,5 m; conjunto estabilizador/profundor/leme de direção (simplificadamente, “lemes”): 3 m de largura, 2 m de comprimento e 1,5 m de altura; articulação dos “lemes” a 8 m da nacele; distância lateral entre as rodas: 0,70 m; hélice de 2 pás, com 2,5 m de diâmetro; peso total do avião: 160 kg, não considerando o peso de Santos-Dumont (50 kg).
As asas eram formadas por seis “células de Hargrave”. Cada célula tinha a forma de cubo com duas faces vazadas. Os “lemes” compunham uma “célula de Hargrave”.
Todas as superfícies do 14-bis eram de seda japonesa; as armações, de bambu e pinho; as junções da estrutura e as hélices, de alumínio; e os cabos-de-comando, de aço.
Mais adiante, em “Vôos do 14-bis”, estão registrados detalhes sobre o motor.

“O 14-bis VOAVA DE COSTAS?”

Não. A forma do 14-bis, a qual veio a ser batizada em aviação como “canard” (pato, em francês), dá essa impressão, por apresentar os lemes na parte dianteira do avião. Ela, ressalta-se, foi bem escolhida por Santos-Dumont para vencer o desafio de alçar vôo.
Como a intenção principal de Santos-Dumont era o 14-bis conseguir sustentar-se no ar, o ideal era obter o máximo de sustentação positiva (para cima), tanto na asa como no conjunto estabilizador/profundor (“leme horizontal”). A configuração “canard” propicia isso na decolagem. (OBS: “sustentação” significa a resultante das forças aerodinâmicas sobre uma superfície).
Se Santos-Dumont optasse por colocar o conjunto na traseira da fuselagem (como hoje é usual), haveria a necessidade de o leme horizontal ter sustentação negativa (para baixo) para fazer o avião “cabrar” (levantar o nariz) na decolagem. Desse modo, a soma das sustentações, a da asa e a do leme, seria menor do que a resultante obtida quando as duas referidas sustentações apontam para cima, como era o caso na decolagem do 14-bis.
Assim, foi inteligentemente definida por Santos-Dumont a forma do 14-bis para aquele desafio de voar.
Contudo, a configuração “canard” não é a melhor para a estabilidade e o controle de um aeroplano, sendo por isso menos usada posteriormente. Nos seus inventos seguintes, como os aviões nº 15 e Demoiselle, Santos-Dumont não mais usou aquela configuração.

VÔOS do 14-bis

O Prêmio Archdeacon, estabelecido em julho de 1906, estimulou os inventores do mundo para a realização do primeiro vôo autônomo de mais de 25 m com aparelho mais pesado que o ar.
Santos-Dumont, que até então se destacara com os “mais leves que o ar” (balões livres e balões-dirigíveis), resolveu competir.
Em 18/07/1906, concluiu o 14-bis, cuja concepção e desenvolvimento estava sendo por ele maturada sem publicidade há algum tempo. Em 23 de julho, ensaiou em público, em Bois de Boulogne, Paris, o novo avião preso ao balão-dirigível nº 14. A partir de 21 de agosto, passou a experimentá-lo separado do dirigível.
O 14-bis estava, inicialmente, equipado com um motor de apenas 24 Hp, a gasolina, tipo Antoinette, com 8 cilindros (4x4, em “V”), construído por León Levavasseur. Santos-Dumont percebeu estar o avião submotorizado.

1907- ÚLTIMO VÔO DO 14-bis

Após os históricos vôos de 23 de outubro e de 12 de novembro de 1906, Santos-Dumont ainda realizou outros pequenos vôos com o 14-bis. Cinco meses depois, encerrou os ensaios com o famoso aparelho. Em 4 de abril de 1907, no campo da Escola Militar, em Saint Cyr, Paris, depois de vôo da ordem de 30 m, pousou bruscamente, tocando com a asa esquerda no solo e danificando definitivamente o famoso avião. Uma semana antes, 27 de março, Santos-Dumont já havia sofrido no mesmo local outro sério acidente com o seu novo projeto de biplano, o nº 15, equipado com motor de 100 HP, asas de madeira compensada e leme de direção na cauda, configuração não mais “canard”. Esse novo avião não voou. Foi destruído em uma tentativa de decolagem.

Santos-Dumont foi um gênio em múltiplas atividades. É impressionante Santos-Dumont ter sido, ao mesmo tempo, o genial inventor, o inteligente construtor dos próprios inventos -, surpreendentemente simples, eficientes e leves - o corajoso piloto de provas de seus artefatos futuristas inusitados e o competidor vencedor. Competiu em corridas de carros, de triciclos, em provas de balões livres, em desafios de dirigibilidade de balões e de vôo do mais pesado que o ar.
Santos-Dumont, na persistente busca da realização do seu objetivo maior, voar, tornou-se homem culto. Com boa base de conhecimentos gerais adquirida na infância e na adolescência, dedicou-se aos estudos de física, eletricidade, química, mecânica. Dominava os idiomas francês, inglês, espanhol, além do português. Em 1931, pelo valor da sua obra literária sobre seus inventos e experiências, foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras (na vaga de Graça Aranha; cadeira nº 38), não tomando posse do cargo.
Em cerca de doze anos de atividades intensas (1898 a 1909), Santos-Dumont produziu um invento importante a cada seis meses, em média. Sua rapidez de concepção e de produção de inovações tecnológicas foi extraordinária e ainda seria impressionante nos dias atuais.
Naquele período, concebeu, projetou, construiu (com recursos próprios), testou (com reais e constantes riscos de morte) dois balões, doze dirigíveis e três tipos de aviões, entre outros inventos e pesquisas, como a do helicóptero e a do deslizador aquático.
Em cada um dos projetos, incorporou muitas de suas dezenas de invenções, como mecanismos de controle de vôo, equipamento auxiliar de partida do motor, e muitos outros. Pela primeira vez em aviação, utilizou o motor a petróleo e materiais como o alumínio e cordas de piano (em lugar de cordas de fibra vegetal, então usadas). Concebeu e construiu, em 1899, o primeiro hangar do mundo. Esse hangar trazia a inovação de um simples e preciso sistema deslizante de movimentação de suas grandes e pesadas portas, mais de 4 toneladas cada uma. Uma criança as abria com facilidade.
Para alcançar maiores potência e leveza em seus inventos, projetou, desenvolveu e construiu motores inovadores, como o de dois cilindros superpostos em apenas uma biela e um cárter, que utilizou no balão-dirigível nº1, e o de cilindros horizontais e opostos, configuração hoje comumente utilizada, que empregou no “Demoiselle”.
Para construir esse motor do Demoiselle, Santos-Dumont usou instalações e maquinários da fábrica francesa Darracq. Essa empresa quis usufruir da patente. Santos-Dumont, pela primeira e única vez, entrou na Justiça reivindicando os seus direitos de autoria. Ganhou a causa e também colocou aquela sua invenção para o domínio público.
Santos-Dumont presenteou para todos, sem nada cobrar, todas as suas dezenas de invenções. Esse altruísmo era apenas uma das muitas e belas facetas do seu caráter exemplar. Com princípios puros, dedicou sua obra à Humanidade. Santos-Dumont é herói brasileiro irrepreensível nos campos ético e moral.

Por tudo isso, sacrificou a sua vida. Tardiamente, pensou nele mesmo. Segundo relato de Gabriel Voisin na revista francesa “Pioniers” (jan/1967), Santos-Dumont, aos 50 anos, apaixonou-se pela filha daquele seu grande amigo, acanhadamente pedindo-a em casamento em 1926. A diferença de idade (a moça tinha 17 anos) inviabilizou a união.
Desde os 40 anos de vida, envelhecido prematuramente, pouco a pouco ficou mais evidente que Santos-Dumont padecia de doença não muito conhecida na época. Hoje, com o avanço da medicina, provavelmente ela seria diagnosticada como depressão, tratável com medicamentos. Cada vez mais recluso, com tristeza, angústia, remorso, sentia-se culpado da guerra aérea, dos acidentes aeronáuticos. Na maioria dos casos, a depressão resulta da interação entre uma predisposição genética e fatores ambientais, como traumas emocionais e o estresse, os quais, por certo, estiveram fortemente presentes na sua obcecada, tensa, destemida e acidentada vida. É comum o suicídio em sofredores dessa doença, quando não medicados. Santos-Dumont assim morreu em 23 de julho de 1932, aos 59 anos.

Fonte: Página Oficial da Comissão Interministerial para as Comemorações do Centenário do Vôo do 14 Bis 1906-2006.

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